Jim fez-se à estrada desolado. Os acontecimentos dos últimos meses tinham elevado as suas expectativas. Durante algum tempo viveu o apogeu de todos os sonhos e de todas as ilusões. A esperança tinha-se acumulado nele, embriangando-o com uma sensação de felicidade que ele não se recordava de alguma vez antes ter saboreado. Mas, de repente, toda a felicidade fora arrancada da sua alma. Não foi como se a felicidade fosse, aos poucos, substituída por aquela tristeza vaga e melancólica que, para alguns de nós, até seria agradável. Não foi como uma folha caduca que é arrancada da árvore pelo vento numa tarde de Outono, esvoaçando suavemente até pousar na terra. Não! Foi antes como se um furacão arrancasse a árvore toda num ápice! A felicidade foi-lhe negada num segundo, numa palavra, num olhar mortífero. Um olhar que parecia disparar balas contra a sua alma, deixando nela feridas que jamais sararão. Os clichés consoladores que conhecemos, quais plaquetas da alma sempre prontas a coagular as nossas feridas, não tinham qualquer efeito em Jim. Enquanto ele dirigia o carro pela estrada serpenteante que percorre as montanhas em direcção à cidade, a sua alma sangrava e definhava, provocando uma dor que lhe atravessava todo o ser, desde o espírito até à carne. Pela mente passavam-lhe um turbilhão de pensamentos incoerentes. E de questões sem resposta. As lágrimas não apareceram. Até porque as lágrimas são um sinal da auto-redenção das nossas tristezas e a tristeza de Jim - não, nem era tristeza, era terror - não podia ser redimida.
Jim chegou à cidade e atravessou os bairros de moradias todas iguais até ao centro, onde se situa o seu apartamento. Estacionou e dirigiu-se para casa. Derrotado. Condenado. O apartamento, onde tinha vivido sozinho nos últimos anos, estava mais vazio do que nunca. Jim sentou-se por minutos no sofá. No fundo, ele sabia que não encontraria respostas. Mas, naquele jeito masoquista que define o ser humano em sofrimento, ele torturava-se tentando achá-las. A dor era insuportável e Jim não conseguiu estar sentado muito tempo. Levantou-se e começou a caminhar em círculos na sala. Abriu uma garrafa de whiskey e deixou que a bebida lhe escorrece pela garganta, enquanto deambulava perdido nos seus pensamentos incoerentes. No seu íntimo desejava morrer. A morte parecia-lhe a única solução válida. A alternativa era viver o que lhe restava como um miserável que carregava em si toda a infelicidade do mundo. A morte decerto era melhor do que essa condenação. Começava já a pensar de que modo podia entregar-se à morte. Mas o whiskey começou a fazer efeito, toldando-lhe os pensamentos e, quando deu por si, estava sentado ao piano, martelando as teclas sem nexo. A dor tomou conta das mãos de Jim, levando-o a compor uma música sem harmonia, com uma cadência irregular. E Jim tocou. Tocou durante horas até que, exausto, adormeceu.
Jim acabou por admitir que a alternativa de viver infeliz também é válida. Quase todas as noites podemos ouvir o piano de Jim na sala do seu apartamento, enquanto a sua dor compõe músicas de uma tristeza indescrítivel. Talvez Jim tenha chegado, não sei se em consciência ou não, à essência da vida. Talvez ele tenha descoberto uma evidência que todos os filósofos ao longo da história têm negado: a felicidade não é assim tão diferente da infelicidade. A felicidade não é mais do que uma canção alegre e traiçoeira que nos inebria os sentidos e nos faz sentir cheios e completos. A felicidade é um canto de sereia. A infelicidade é uma canção triste que nos faz doer as feridas da alma e que nos faz sentir vazios. Entre cheio e vazio, a diferença não é assim tanta. E a infelicidade tem a vantagem de não ser traiçoeira. Para quem vive no fundo da caverna, é impossível descer mais. Agora quem vive à luz do Sol corre sempre o risco de ser atirado para a caverna, como aconteceu a Jim.
No fundo, a infelicidade é apenas um estilo de música diferente da felicidade. Mas não deixa de ser música.
2 comentários:
Em primeiro lugar, gostei da banda sonora, acho que estava apropriada :) Em segundo lugar, acho que a tua imodéstia é perfeitamente plausível :D o texto está muito engraçado, e o último parágrafo é bem verdadeiro. jinhos**
Obrigado! Sendo assim vou continuar a escrever umas coisas até que a censura do governo do Sócrates me impeça.
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