Esta semana comecei oficiosamente o meu doutoramento. Sim, porque para ser oficial ainda há burocracias a tratar! Vou começar por estudar D-Módulos utilizando um livro de Masaki Kashiwara, um dos grandes especialistas em Análise Algébrica, o ramo da Geometria em que vou fazer o doutoramento. Calha bem, porque o estudo dos D-módulos complementa aquilo que andei a fazer nas últimas semanas. Um D-módulo M é um feixe de módulos sobre o feixe de anéis dos operadores diferenciais (sobre uma variedade X). Nas últimas semanas estive precisamente a estudar como se constrói o anel D. Neste contexto é normal chamarmos a um feixe de anéis simplesmente um anel e chamarmos a um feixe de módulos sobre um feixe de anéis simplesmente um módulo sobre um anel. É um abuso de linguagem bastante prático, mas um pouco enganador já que a dificuldade em trabalhar com feixes de estruturas algébricas é de outro grau, quando comparada com a dificuldade em trabalhar simplesmente com as estruturas algébricas em si.
Esta semana tive uma imagem daquilo que vão ser os meus próximos meses. "Enfiar" a cabeça em dezenas de livros e retirar deles toda a informação que for capaz de apreender! E andar sempre em busca de livros apropriados para complementar a leitura do livro principal. Em poucos dias de trabalho já tive que recorrer a uma meia-dúzia de livros para rever conceitos esquecidos ou para estudar coisas que nunca aprendi e que o livro não aprofunda.
A meio da semana fiquei bastante satisfeito quando reparei que ainda me recordava quase por completo da construção do feixe dos Ox-módulos das formas diferenciais de grau p sobre uma variedade X. São estes pequenos episódios que vão servindo para diminuir o trauma que tenho com a minha memória!
Se há 6 anos atrás, quando entrei para a faculdade, me dissessem que hoje estava a fazer aquilo que estou a fazer, não acreditaria! No meu 12º ano, quando tive de decidir aquilo que iria estudar, tive muitas dificuldades em tomar uma decisão racional e ponderada. Passei parte do ano inclinado para a psicologia. Em alguns momentos, a medicina e a enfermagem também me pareciam apelativas. Mas acho que isso não se devia a qualquer tipo de vocação pessoal, mas sim ao que as pessoas à minha volta diziam.
Acabei por acordar num sábado de manhã muito introspectivo. Lembro-me que nesse dia fui à praia e passei o tempo entre os mergulhos e a conversa com os meus botões. E foi nesse dia que cheguei à inesperada conclusão de que ía para matemática. Faltavam duas semanas para as candidaturas. Decidi que ía entrar em matemática e depois logo se via o que aquilo dava. Se não gostasse, no final do primeiro ano poderia tentar outra coisa.
Sempre adorei matemática! E sempre adorei a escola! Por isso, escolhi entrar para ensino da matemática. O primeiro ano foi um ano muito complicado. A diferença entre a matemática ensinada no secundário e a matemática ensinada na faculdade é abismal. As coisas correram muito bem em duas cadeiras: Elementos de Matemática e Introdução à Computação. Gostei muito de ambas. Mas as duas cadeiras mais importantes, ALGA e Análise I, deram-me muita luta. Passei o natal e a passagem de ano a tentar perceber as séries e aqueles "bichos" novos, chamados teoremas e demonstrações . Saí do meu primeiro exame de Análise I a pensar que ía chumbar com uma nota a rondar o 6. Tive 12. Foi um momento decisivo, porque percebi que apesar das dificuldades que estava a ter, o trabalho compensava. Aprendi a dar razão ao Einstein quando ele diz que a táctica para fazer ciência é "1% de inspiração e 99% de transpiração". A meio do segundo semestre já estava completamente decidido a continuar em matemática e no final do primeiro ano já sabia que no ano seguinte iria mudar para matemática pura. Comecei a perceber que talvez não tivesse muita habilidade para ensinar coisas que me começavam a parecer básicas. Por isso mudei para matemática pura, sem pensar ao certo no que ía fazer depois... com um curso de matemática há sempre a hipótese de depois se fazer um outro curso mais aplicado, uma engenharia ou informática. Fazer um doutoramento sempre me pareceu algo inacessível.
E agora dou por mim às portas de "algo inacessível". E serve este post para dizer que gostei desta primeira semana de trabalho e que me sinto imensamente grato por estar a fazer aquilo que estou a fazer!